Mesmo com os partidos destinando a cota de 30% de candidatos para mulheres não atingimos ainda 20% das cadeiras no Legislativo brasileiro. Com grande avanço nas últimas eleições chegamos a 17,7%, enquanto a média global da participação das mulheres nos parlamentos é de 26,4%. Por essa razão, pautas sensíveis, sobre a vida, o corpo, a escolha das meninas e mulheres estão sendo discutidas e votadas majoritariamente por homens, com posições conservadoras, que não dialogam com os direitos das mulheres.
Na Câmara Federal, a bancada conservadora tem muitas mulheres que defendem pautas e pensamentos ultrapassados e machistas. Embora o Brasil seja constitucionalmente um país laico, grande parte de nossos congressistas flertam com o fundamentalismo religioso. Dos 33 deputados que votaram pela urgência na tramitação do Projeto de Lei 1904, que obriga a criança ter filho do estuprador e equipara a pena por aborto ao homicídio simples, 12 são mulheres, de diversos partidos e algumas possivelmente mães ou avós de meninas.
“É uma perversidade que a vítima de estupro seja penalizada. Estuprador não pode ser chamado de pai, criança não pode ser mãe e o PL do estupro diante das grandes manifestações deve minguar”
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco se comprometeu a examinar o projeto sem a urgência descarada imposta pelo presidente da Câmara Arthur Lira, que impediu os debates públicos de um tema tão complexo nas Comissões e concluiu a votação pelo regime de urgência em 24 segundos. Lamentavelmente alguns representantes do nosso estado que deveriam estar em Brasília analisando os estudos do Anuário Brasileiro da Segurança Pública sobre a violência sexual infantil, propondo medidas para freá-la, estão do lado obscuro da Câmara Federal que quer imputar pena pesada a quem já está destroçada pela violência sexual, pela infância perdida, pela exposição e pela humilhação.
O ex-governador Pedro Taques, com expressiva carreira na advocacia se pronunciou, criticou a aberração jurídica e lembrou que desde 1940, o Código Penal, que ainda é vigente, não criminaliza o aborto em casos de estupros e entende como desproposito penalizar a vítima, em situação, que pode ocorrer de pegar pena maior do que a do estuprador. Lembrando que neste país, segundo o estudo ‘Sem deixar ninguém para trás – gravidez, maternidade e violência sexual na infância e adolescência’, a maioria (67%) meninas vítimas de estupro tem entre 10 e 14 anos e são vítimas de familiares e conhecidos próximos e o crime acontece na casa das vítimas.
Pai violenta filha em leito de UTI em São Paulo. O abuso sexual de crianças e adolescente é crônico, recorrente e indecente; o pervertido pede segredo, faz promessas e ameaças físicas, promove confusão mental com chantagens e estamos falando da pessoa que a criança acreditava que iria protegê-la. Em vez de dispender tempo propondo aplicação de pena dura para crianças vítimas de violência sexual, que abortem, o senador Styvenson Valentim apresentou um Projeto de Lei, que está na Comissão de Direitos Humanos do Senado, propondo, ações duras e indicando mecanismo de financiamento para a prevenção e enfrentamento da violência sexual contra nossas crianças, incluindo o aumento das penas para esse tipo de crime, aumento das estruturas de apoio e equipamentos para as escolas, creches e os Conselhos Tutelares apertarem a vigilância.
É uma perversidade que a vítima de estupro seja penalizada. Estuprador não pode ser chamado de pai, criança não pode ser mãe e o PL do estupro diante das grandes manifestações deve minguar, apesar do deputado autor do projeto assegurar em entrevista que tem 300 votos garantidos entre os 513 parlamentares.
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com.
FONTE: RDNEWS
