Rodinei Crescêncio/Rdnews
Eu devia ter meus 18 ou 19 anos quando um episódio me fez encarar minha postura egoísta e mimada diante da vida. Era meu aniversário, e eu ganhei um porta-joias de do meu namorado. Como eu esperava algo diferente (pois, na minha visão, a vida tinha uma dívida comigo), fiquei furiosa com o presente e surtei.
Na época, eu realmente achava que o mundo me devia algo, uma dívida que se acumulava desde a infância. Eu sentia que, jogada no mundo como um animal faminto, alguém deveria suprir essa “fome” que meus pais, do meu ponto de vista, haviam sido incapazes de saciar.
Algo importante para compartilhar sobre a repetição de padrões é que, durante toda a minha infância, lembro-me de como sofríamos nos aniversários da minha mãe. Ela nunca gostava dos presentes que ganhava. Em um aniversário, meu pai deu a ela um perfume que eu mesma havia escolhido, mas ela ficou muito brava, pois odiou o cheiro e esbravejou. Em outra ocasião, meu pai deu duas assadeiras para pães, e lembro-me da surpresa que senti quando ela ficou tão furiosa que amassou as assadeiras com os braços, deixando-as completamente distorcidas e inutilizáveis.
Conforme crescia, passei a preferir não escolher nada para presenteá-la nessas datas, tamanha era a dificuldade. Mesmo criticando o comportamento dela, eu, sem perceber, estava repetindo a mesma atitude com meu namorado.
Eu sentia uma mistura de raiva, vazio, esperança e diversos sentimentos ao buscar algo que suprisse minha angústia e dor. Mas essa busca era direcionada ao desejo de ter algo capaz de aplacar as sensações que me atormentavam.
A raiva surgia porque ele não conseguia me dar o que eu achava que faltava – uma combinação de amor e proteção que pudesse preencher meu
vazio emocional. Quando ele falhava em suprir essa necessidade, eu era dominada pela raiva e frustração, cobrando-o duramente, como a menina mimada que ainda era.
Foi nesse momento que, em um raio de clareza, tive um despertar:
“Ninguém vai me dar… sou eu por mim mesma!”
Assim, segui para o outro extremo da minha jornada:
“Sou eu quem vou construir e edificar! Não preciso de alguém que me dê, apenas de quem não me atrapalhe!”
Fui ao extremo do protagonismo – uma postura necessária naquela fase de transição, mas ainda insuficiente, pois continuava centrada em mim mesma. O outro existia apenas para me servir, e, como não me completava, tornava-se uma “prótese útil” até ser substituída.
Adotamos uma postura de vítima, de quem se sente injustiçado, sempre crítico, com convicções absolutas sobre as soluções para os problemas do mundo. Como “reis da verdade”, nos colocamos como se o mundo nos devesse algo eternamente. Vivemos do passado, remoendo o que deveria ter sido e não foi, culpando e julgando nossos pais pelo que não puderam ser, e seguimos pela vida oscilantes, vulneráveis e reativos.
Mas e então? Como nos livramos dos “reclamões”?
Não há como nos livrarmos deles. Eles estão por toda parte (inclusive, inquietos ou adormecidos dentro de nós). O essencial é estarmos atentos e despertos para que eles não ganhem força e cresçam em proporção.
O autoconhecimento é um caminho libertador para evitar essas armadilhas. Ao nos tornarmos conscientes dos gatilhos que existem e nos envolvem, saímos do campo do inconsciente. Despertos, passamos a protagonizar a própria vida, e o vitimismo perde seu propósito.
Cynthia Lemos é psicóloga e empreendedora; fundadora da Grandy Psicologia Empresarial e escreve neste espaço quinzenalmente às quintas-feiras
FONTE: RDNEWS