Secretário-adjunto de Administração Penitenciária, o delegado da Polícia Civil Vitor Hugo Bruzulato apontou que o principal desafio da Segurança Pública, no Estado, é romper com a comunicação ativa de líderes de facções criminosas dentro das prisões.
Atualmente, as ações policiais focam na descapitalização das facções como ferramenta de enfrentamento, mas o isolamento dos líderes dentro das penitenciárias é igualmente crucial, segundo o delegado.
“A Polícia Civil está no caminho certo, tem que descapitalizar, mas não estamos fazendo a segunda frente, que é o isolamento de líderes de facção. […] Eles continuam conseguindo lucratividade com atividade criminosa”, disse.
O Estado vai, através da descapitalização, buscar um enfraquecimento financeiro e obviamente a liderança
A partir de 1º de janeiro, Bruzulato assumirá o comando da recém-criada Secretaria de Estado de Justiça (Sejus), com a missão de intensificar as operações contra o uso de celulares em celas e aumentar o controle sobre a comunicação das facções.
O combate, no entanto, já teve início com o a deflagração da Operação Tolerância Zero ao Crime Organizado, que atua de maneira permanente. Segundo Bruzulato, a nova estrutura será decisiva para ampliar as estratégias.
“O Estado vai, através da descapitalização, buscar um enfraquecimento financeiro e obviamente a liderança. Quando ele não tem a comunicação, ele deixa de existir”, disse.
Em entrevista ao MidiaNews, Bruzulato também destacou a atuação primordial da Polícia Penal, defendeu prisão sem regalias, e afirmou: “Para a corrupção não existe desculpa”.
Confira principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Como foi o convite para comandar a Secretaria de Estado de Justiça? Em algum momento pensou em não aceitar, devido ao desafio?
Vitor Hugo Bruzulato – É importante a gente contextualizar a criação dessa Secretaria. Ela vem dentro de uma série de medidas adotadas pelo nosso governador Mauro Mendes de enfrentamento à criminalidade organizada, como o programa Tolerância Zero. Ela vem em um contexto de fortalecer o combate ao crime organizado.
O convite foi feito pelo governador, em conjunto com o secretário de Segurança Pública César Roveri, creio que pelo trabalho prestado como delegado, sendo os últimos 10 anos dedicados exclusivamente ao enfrentamento da criminalidade organizada, principalmente das facções criminosas no nosso Estado.
Fiquei muito feliz e honrado pelo convite e, em momento algum titubeei, porque encaro isso como uma missão, mais uma missão. Sou delegado de Polícia, sou servidor público, estou aqui para servir a sociedade.
E com muita dedicação iremos vencer essa batalha. Vamos desempenhar um trabalho eficiente no enfrentamento à criminalidade organizada.
MidiaNews – Acredita que seja o maior desafio de sua carreira?
Vitor Hugo Bruzulato – Sem sombra de dúvidas. Hoje, pela circunstância, temos um desafio que não é uma realidade só de Mato Grosso, mas é uma realidade histórica. As facções criminosas, historicamente, nasceram, cresceram no sistema penitenciário e continuam comandando o crime de dentro dos presídios.
Quando se fala em enfrentamento a facção criminosa, não dá para fazer o enfrentamento só com a polícia ostensiva, que é a Polícia Militar, com a polícia investigativa, que é a Polícia Civil. Temos que inserir a Polícia Penal.
Ela é uma realidade, está na Constituição Federal, e precisamos da estrutura de polícia, porque é importante, é fundamental para que a gente possa vencer e fazer um enfrentamento eficaz e eficiente das facções.
É um desafio, mas é possível e necessário. É necessário esse enfrentamento das facções criminosas que atuam nas unidades prisionais.
MidiaNews – Nesses 10 anos de experiência no combate do crime organizado, consegue nos falar qual é a dimensão do crime organizado no Estado? Há quem fale em 30 mil faccionados.
Vitor Hugo Bruzulato – O fato é que durante esse acompanhamento operacional a gente viu uma evolução. É fato que houve uma evolução e com os trabalhos realizados das forças de segurança, temos que fazer esse enfrentamento para o controle do Estado.
A dimensão é uma parte bem estratégica, e eu acho que a Polícia Civil poderia falar melhor sobre isso.
MidiaNews – As facções estão em todos os municípios?
Infelizmente, a realidade é que hoje em todos os municípios existe a presença de facções criminosas
Vitor Hugo Bruzulato – Sim. Infelizmente, a realidade é que hoje em todos os municípios existe a presença de facções criminosas. Obviamente, em alguns lugares com uma intensidade maior, e outras menor.
MidiaNews – Quando foi anunciada a Secretaria de Justiça, e o senhor no comandando, foi lançada a operação Tolerância Zero de Combate às Facções Criminosas. Essa operação, dentre outras coisas, está atuando na retirada massiva de telefones celulares das penitenciárias. Onde está a falha na Segurança Pública que permite a entrada desses aparelhos?
Vitor Hugo Bruzulato – Quando eu falei do fortalecimento da Polícia Penal, a gente fala justamente da segurança pública nas unidades prisionais. Então, quando a gente fala de enfrentamento eficaz e eficiente das facções nas unidades, a gente está falando da comunicação.
Esses líderes de facção estão cumprindo pena e, infelizmente, a realidade é que eles continuam praticando crimes de dentro das unidades prisionais. Com telefone celular, ainda tem acesso a entorpecentes… E esse é o grande desafio hoje da secretaria: conseguir impedir a entrada de ilícitos nas unidades prisionais. Esse vai ser o controle efetivo e eficiente da criminalidade organizada aqui no nosso Estado.
É fazer com que esses líderes cumpram pena, sem regalias, e sem acesso a produtos ilícitos. Diante desse contexto, o grande o desafio nosso é revisar todos os procedimentos e protocolos internos das unidades prisionais.
MidiaNews – A gente consegue falar hoje de quem é a falha?
Victor Ostetti/MidiaNews
Bruzulato: “Esse vai ser o controle efetivo e eficiente da criminalidade organizada
Vitor Hugo Bruzulato – Nós estamos fazendo revisão, por exemplo, do raio de segurança máxima. Temos que dar o respaldo aos policiais penais, temos que ter uma segurança jurídica.
Temos o raio de segurança máxima aqui na Penitenciária Central, quando ele vai ser usado, de que forma. É uma série de fatores: como vai ser o controle da visitação; a divisão de dias; o que pode entrar ou não entrar. Já tem muito tempo, infelizmente, que não há uma revisão desses procedimentos. eE estamos providenciando.
A questão das cantinas, dos mercadinhos… É muito material que entra nas unidades prisionais, é muita mercadoria. E estamos fazendo uma revisão desse modelo adotado no sistema penitenciário de Mato Grosso.
A questão dos celulares de servidores, de terceirizados, de pessoas privadas de liberdade que trabalham, que retornam, onde deve ficar? Como será o procedimento? Temos ferramentas tecnológicas, body scan, os scanners… todas as ferramentas. Estamos fazendo uma adequação nas unidades. Qual que é o melhor ponto para ficar. Não dá pra gente definir hoje e falar assim: “Ó, o erro está aqui”.
A gente está fazendo a revisão de todos esses procedimentos, inclusive na forma como a Polícia Penal vem fazendo as abordagens, as revistas, para dar respaldo também. Ficar de uma forma clara a objetiva para todo mundo, para os advogados, para a sociedade, para os profissionais.
Estamos fazendo isso e será implementado já no início de janeiro.
MidiaNews – Nós sabemos que houve um ou outro caso de agentes penais presos por facilitarem, em tese, a entrada de aparelhos nas unidade. Não é preciso fechar o cerco contra os maus servidores? O Governo deve cortar na carne?
Vitor Hugo Bruzulato – Com certeza. Só quero ressaltar que a corrupção existe em todos os Poderes, no Legislativo, no Executivo, no Judiciário, em vários órgãos. Isso não é só na Polícia, não é só na Polícia Penal, existe na Polícia Civil, na Militar. A corrupção, infelizmente, existe. O que a gente precisa é combater.
Com essa estrutura da Secretaria de Justiça, teremos uma Corregedoria exclusiva para Pasta. Então, vamos fortalecer esse combate. Hoje, não temos essa estrutura. O Governo do Estado também pensou na estrutura que a secretaria vai ter, até mesmo para poder ter esse controle.
Teremos ali uma Corregedoria e teremos uma estrutura de inteligência voltada exclusivamente à Secretaria de Justiça, para o socioeducativo e o sistema penitenciário. Isso com certeza é um avanço extraordinário.
A grande maioria dos profissionais são comprometidos, dedicados e com certeza esses poucos corruptos serão identificados e punidos
Apesar de o exercício da secretaria começar apenas no dia 1º de janeiro, já começamos a transição. Tivemos dois policiais penais presos, um em flagrante, outro em uma operação da Polícia Civil, e vamos apertar o cerco.
É fundamental para o sucesso dessas medidas a gente punir, sim. Só que temos que ter responsabilidade, individualizar a conduta criminosa, da prática de algum ato funcional, criminoso. E é importante ressaltar que isso é minoria. A grande maioria dos profissionais são comprometidos, dedicados e com certeza esses poucos corruptos serão identificados e punidos.
MidiaNews – Em um pensamento um pouco mais simplista, fale-se da baixa remuneração desses profissionais, talvez até como uma justificativa para esse tipo de conduta. Há algum projeto para um aumento salarial ou alguma bonificação?
Vitor Hugo Bruzulato – Para a corrupção não existe desculpa. Não existe a questão salarial, não existe desculpa. Mas obviamente que dentro do planejamento estratégico para o sistema penitenciário existe a valorização da carreira da Polícia Penal.
Vamos buscar a valorização com a estrutura, com a gestão humanizada, buscando diálogo, prezando pela saúde desses profissionais, porque quando a gente fala em Segurança Pública precisamos ter essa gestão humanizada e a valorização, que ela vai desde a estrutura. Nós vamos buscar essa valorização, mas quero ressaltar: para corrupção não existe desculpa.
Nós temos hoje a Polícia Penal cumprindo o seu papel constitucional, que é cuidar da Segurança Pública das unidades prisionais, mas fazendo isso de forma eficiente.
Para a corrupção não existe desculpa. Não existe a questão salarial, não existe desculpa
MidiaNews – O senhor citou o mercadinho dentro das unidades. Em um vídeo ao qual a imprensa teve acesso, o latrocida Sandro Loco, criminoso de alta periculosidade, disse que era dono de um mercadinho na PCE, que lucrava R$ 70 a R$ 80 mil por mês. Como isso funciona?
Vitor Hugo Bruzulato – Esses mercadinhos existem já há algum tempo. Não é uma realidade aqui da Penitenciária Central do Estado; existem em outras unidades. Cada um é criado de uma forma, com regramento próprio. Estamos fazendo a revisão para a gente resolver essa problemática.
O que está acontecendo principalmente aqui na Penitenciária Central do Estado? Existe uma associação que faz o comércio desses produtos para o interior da unidade prisional, porém, esse material, esses produtos, eles são revendidos internamente pelas próprias facções criminosas.
Se um item custa R$ 15, lá vai custar R$ 30. E aí, os faccionados, os líderes principalmente, exigem que os demais presos comprem da facção criminosa. E infelizmente essa é a realidade. E eu estive algumas vezes na PCE e a gente vê que algumas celas. Elas estão praticamente servindo como estoque desse mercado paralelo existente hoje na PCE.
E nós já estamos trabalhando para que a gente possa resolver esse problema de forma definitiva, não só na PCE, mas no Estado.
MidiaNews – O senhor não tem medo de uma rebelião com um enfrentamento tão duro?
Vitor Hugo Bruzulato – A Secretaria de Segurança Pública está preparada, as forças policiai, estão preparadas para tomar as medidas necessárias, que devem ser tomadas de acordo com a lei. Porque nossa gestão é pautada nos princípios da justiça e legalidade.
E sobre as consequências, obviamente, existe todo um aparato. Existe esse preparo por parte da Segurança Pública, de todas as forças policiais. Mas, obviamente que vamos trabalhar para que isso não ocorra.
MidiaNews – Voltando à questão dos celulares. Está sendo analisada a implementação de bloqueadores de sinais?
Vitor Hugo Bruzulato – O ideal é que não precisasse, porque o ideal é que esse celular não entre nas unidades prisionais. Isso é o que vamos trabalhar. Obviamente que toda ferramenta tecnológica é bem-vinda para auxiliar o trabalho dos policiais nas unidades prisionais.
MidiaNews – O desembargador Orlando Perri se posicionou é contrário a toda e qualquer entrada de aparelho celular nas penitenciárias. O que ele coloca é que, com a retirada desses aparelhos das penitenciárias e o Estado permitindo com que algumas autoridades entrem com esses aparelhos, poderia haver outro tipo de comércio, um comércio paralelo, que seria o de aluguel de celulares. O senhor é favorável a essa ideia do desembargador de a comunicação na penitenciária ser feita prioritariamente por rádio e de se proibir 100% a entrada de celulares?
Victor Ostetti/MidiaNews
Delegado Vitor Hugo diz que está fazendo uma revisão para ampliar a proibição de celulares em penitenciárias
Vitor Hugo Bruzulato – Sim, com certeza! E isso já existe. Temos uma portaria do secretário de Segurança Pública, coronel César Roveri, que já proíbe o uso de celular dentro das unidades prisionais do Estado.
O que estamos fazendo é uma revisão para ampliar essa proibição nas unidades prisionais. Estamos fazendo um estudo de, por exemplo na PCE, criar um grande complexo e ter zonas onde o policial penal possa fazer esse uso, mas desde que seja fora da unidade prisional.
MidiaNews – Recentemente uma dentista foi flagrada entrando com celular na PCE. Ela foi detida, levada à delegacia, mas logo em seguida liberada por se tratar de um crime de menor potencial ofensivo. Não acha que as leis também são frouxas quanto a esse tipo de delito?
Vitor Hugo Bruzulato – Com certeza! Esse fato chamou muita atenção e é importante ter algumas situações que despertem a atenção da sociedade, porque é um absurdo. É um absurdo ser considerado um crime de menor potencial ofensivo.
E é importante a gente deixar claro que não foi falha da Polícia Penal, nem da Polícia Civil. O delegado de Polícia, que estava de plantão, cumpriu a lei. Não foi ele que liberou. Isso está na lei, é um crime de menor potencial ofensivo. Uma pena que é até de um ano de detenção.
É um absurdo que a entrada de um aparelho celular seja punido com até um ano de detenção
É um absurdo! A legislação tem que ser pertinente, tem que ser adequada à realidade da sociedade do país. A realidade é que um celular na mão de um criminoso, de um líder de facção criminosa, é a pior arma existente hoje. Essa pena tem que ser muito maior.
O que vemos hoje são líderes de facção criminosa determinando crimes horríveis de dentro das unidades prisionais. Vários homicídios, vários salves, roubos, crimes com violência…
É um absurdo que a entrada de um aparelho celular seja punido com até um ano de detenção, que seja considerado um crime de menor potencial ofensivo.
MidiaNews – A gente tem visto muitas operações atacando as finanças das facções, mas a impressão que se tem é que, apesar dessas operações serem importantes e aprenderem volumes gigantescos de dinheiro, as facções mantêm seu poder. A Polícia está enxugando gelo?
Vitor Hugo Bruzulato – Infelizmente isso vem acontecendo, mas pelo fato que a gente não está conseguindo isolar os líderes de facção criminosa. Para combater o crime organizado, temos duas ferramentas: primeiro é a descapitalização, o enfraquecimento financeiro. A Polícia Civil está no caminho certo, tem que descapitalizar, porque não existe uma outra forma.
Mas não estamos fazendo a segunda frente, que é o isolamento de líderes de facção. Hoje a Polícia Civil descapitaliza, mas eles continuam fazendo a movimentação criminosa. Eles continuam conseguindo lucratividade com atividade criminosa.
MidiaNews – Quando a gente fala em combate às facções criminosas, do que a gente está falando?
Vitor Hugo Bruzulato – Enfraquecer. Temos que enfraquecer as facções criminosas. O Estado vai através da descapitalização buscar um enfraquecimento financeiro, e obviamente a liderança. Quando ele não tem a comunicação, ele deixa de existir. Com essas duas frentes da Segurança `Pública, descapitalização e o isolamento, nós vamos, sim, enfraquecer as facções.
MidiaNews – Hoje, se fala em uma quarta facção no Estado. Acredita nisso?
Vitor Hugo Bruzulato – A criminalidade é dinâmica. Posso estar falando isso aqui agora e daqui a dois minutos já ter uma situação. O que tenho certeza é que as forças policiais estão atentas.
Existe uma operação na Polícia Civil, por exemplo, que é a Operação Erga Omnes. Ela integra todas as delegacias nos 142 municípios. E é para acompanhar em tempo real o dinamismo das facções criminosas no Estado. Inclusive através de painéis.
Se for preso um faccionado vai aparecer isso para todos os delegados, os gestores da Polícia Civil, que fazem esse acompanhamento. Estão todos muito atentos a esse dinamismo das facções criminosas, mesmo porque nesse enfrentamento que a gente vai fazer das facções que existem aqui, tem que tomar muito cuidado para que uma quarta, quinta, uma sexta facção não entre nesse vácuo de poder que vai haver.
MidiaNews – Recentemente, a gente teve a prisão do vereador Paulo Henrique aqui de Cuiabá, acusado de manter um elo com o crime organizado. Como que recebe esse tipo de notícia, de aparentemente o crime organizado está se infiltrando na política?
O que o Estado tem que ter atenção e punição. Identificou, já fazer a punição conforme for o caso
Vitor Hugo Bruzulato – O crime é organizado. Não é por acaso que existe a lei de combate ao crime organizado, porque eles buscam toda essa estrutura, a estrutura política, buscam fortalecimento. É uma realidade.
As operações policiais demonstraram isso. O que o Estado tem que ter é atenção e punição. Identificou, já fazer a punição conforme for o caso.
MidiaNews – Uma declaração recente do procurador-geral de Justiça, Deosdete Cruz Junior, gerou polêmica na OAB. Ele defendeu a gravação de conversas entre advogados e detentos faccionados. Qual é a sua opinião a respeito desse assunto?
Vitor Hugo Bruzulato – Eu não vou generalizar. Quando a gente fala em direitos fundamentais, em prerrogativas, a gente tem que ter muito cuidado, porque isso tem a previsão no Estatuto da OAB.
Agora, obviamente que dependendo de uma circunstância que requer isso, desde que se cumpra os requisitos legais, uma autorização judicial, é esse o caminho, mas não gosto de generalizar. Cada caso é um caso e tem que ser avaliado com muito cuidado, de forma muito criteriosa, para que a gente não possa generalizar.
A gente não pode falar que toda a Polícia Penal é corrupta. Existem poucos casos e devem ser individualizados e punidos. Da mesma forma, não acho conveniente a generalização de todos os casos, porque tem regramentos, tem as prerrogativas, e aí cada caso é um caso, é preciso ter essa cautela.
Obviamente que todas as ferramentas de controle são bem-vindas quando a gente fala de crime organizado.
A gente não pode falar que toda a Polícia Penal é corrupta. Existem poucos casos e devem ser individualizados e punidos
MidiaNews – Assim como não dá para generalizar casos, não dá para generalizar todos os presidiários. Nem todos que estão ali são faccionados, não é? Há um cálculo de quantos faccionados existem no sistema penitenciário?
Vitor Hugo Bruzulato – Isso a gente já vinha discutindo com o Judiciário, com o GMF (Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário), sobre a revisão da classificação dos presos. A gente precisa fazer e está dentro do planejamento.
A gente precisa urgentemente mudar a classificação dos presos. Como a gente faz hoje? É perguntado ao preso “qual é a sua facção?”. E o preso fala: “eu sou da facção A” ou “eu sou a facção B”. E não existe uma classificação criteriosa com a inteligência, com equipe multidisciplinar, para que a gente possa identificar o que é aquela pessoa que está entrando por uma unidade prisional.
Será que realmente é um faccionado? Ou será que ele está falando que ele é, porque é maioria, porque vai ter um respaldo, porque vai ter um conforto por parte daquele grupo?
Isso a gente precisa revisar também de forma urgente. A classificação não está precisa.
Hoje as unidades prisionais são classificadas como facção A, facção B. Essa classificação tem que ser muito criteriosa, para que a gente não ocorra e não fomente o aumento da facção criminosa.
A pessoa entra ali, às vezes, com um crime leve e sai integrante de uma grande facção criminosa por conta dessa circunstância.
Essa classificação precisa ser revista. Já conversamos com o Judiciário, o entendimento é o mesmo e vamos trabalhar para que isso aconteça.
MidiaNews – Não é segredo que as facções também fazem um trabalho social nas comunidades de Cuiabá e diversas cidades de Mato Grosso. Isso as fortalece socialmente. Como combater essa prática?
Victor Ostetti/MidiaNews
“O enfraquecimento financeiro é essencial”, diz delegado
Vitor Hugo Bruzulato – A receita que falei se enquadra nisso aí: é a parte financeira. Se eles estão dando o assistencialismo. Se eles distribuem ovos de páscoa, cesta de natal, se promovem campeonatos esportivos, isso tudo é a parte financeira que proporciona.
O enfraquecimento financeiro é essencial. Quando você não tem dinheiro, não vai ter condições de proporcionar essa parte social das facções. A operação Apito Final*, por exemplo, foi uma grande demonstração disso. A facção só dava esse assistencialismo em razão da lucratividade criminosa.
* A Operação Apito Final foi deflagrada no início ano pela Polícia Civil e desarticulou um esquema de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro que movimentou R$ 65 milhões em dois anos. O alvo principal da operação foi Paulo Witer Farias Paelo, o W.T., apontado como líder do esquema. Mais de duas dezenas de pessoas foram presas na ação, incluindo W.T., que permanece encarcerado.
MidiaNews – Os jovens olham para esse líderes de facções como exemplos, ídolos. Como evitar com que esses jovens sejam cooptados também por essas facções? A educação é a resposta?
Vitor Hugo Bruzulato – Tem uma série de fatores. A educação, a presença do Estado, mas tudo isso é a parte financeira. O que desperta a atenção é o faccionado ter um carro do ano, a corrente de ouro, o tênis da moda, é a casa de luxo, é a festa… Tudo que envolve a parte financeira.
Não existe milagre. O que tem que acabar é com a parte financeira, a lucratividade criminosa. O dinheiro fácil, a festa, o luxo, tudo isso que tem que ter atenção por parte do Estado.
MidiaNews – Acha que para certo tipo de bandido é preciso ter penas mais duras, por exemplo, como prisão perpétua?
Vitor Hugo Bruzulato – Defendo o cumprimento da pena, mas o cumprimento real. E sem regalias, sem celular, sem droga, sem cigarro, sem visitas íntimas…
Acredito que para alguns crimes têm que ter uma pena maior. Mas essa pena tem que ser cumprida num sistema penitenciário que não permita regalias, que não permita o uso de celulares, que não tem o contato com o mundo exterior.
MidiaNews – O senhor falou da questão das saídas, muitas vezes eles saem para trabalhar. É contra isso?
A ressocialização é muito importante. Mas a ressocialização é para algumas pessoas que têm essa pretensão, e dependendo do crime
Vitor Hugo Bruzulato – Não. A ressocialização é muito importante. Mas a ressocialização é para algumas pessoas que têm essa pretensão, e dependendo do crime. Mato Grosso, inclusive, é um dos estados modelos de ressocialização, com várias oportunidades de emprego, e isso funciona.
Mas, obviamente, há crimes terríveis, de homicídios, de execuções, de castigos, de salves e essas pessoas não querem a ressocialização, não querem trabalhar. Eles querem sair para fugir.
Nesses casos, tem que ter o rigor do cumprimento de pena. Agora, a ressocialização é necessária, é importante e eu defendo.
MidiaNews – Quando a gente fala em facção criminosa, o Rio de Janeiro é muito lembrado por haver locais em que a Polícia não entra. A gente tem a possibilidade de alguma facção criminosa chegar a esse ponto no Estado?
Vitor Hugo Bruzulato – Não. Aqui, graças a Deus e ao trabalho das forças policiais, não temos essa realidade. A Polícia entra em qualquer lugar e isso [locais dominados por facções] não vai acontecer. Principalmente agora, com todas essas medidas adotadas que estão sendo implementadas.
É claro que tem algumas medidas que estão sendo implementadas de forma gradativa, mas a tendência é a gente não passar por isso em razão do trabalho sério das Forças de Segurança e do trabalho gradativo de implementação de várias medidas que o Governo do Estado vem adotando.
Confira vídeo da entrevista na íntegra:
FONTE: MIDIA NEWS