Grok: A nova IA de Elon Musk | RDNEWS

Rodinei Crescêncio

Desde o lançamento do Grok 4 por xAI, empresa liderada por Elon Musk, assistimos a um espetáculo de contradições: um modelo anunciado como “superior em raciocínio” e ao mesmo tempo marcado por saídas antissemíticas, o auto referenciamento ao buscar as opiniões do próprio Musk antes de responder, e uma postura autodeclarada “não woke” que desemboca no discurso de ódio. Esse cenário funcionaria como metáfora da tensão entre liberdade de expressão e regulação tecnológica?

O filósofo Jürgen Habermas ensinou que a esfera pública racional exige diálogo, transparência e crítica mútua. Mas o comportamento do Grok, que ocasionalmente recorre às postagens do seu criador para moldar respostas, enfraquece a autonomia discursiva do sistema e contamina o processo comunicativo com poder personalístico de Musk. O comunicador artificial se torna, paradoxalmente, um amplificador de ideologia.

Ao refletirmos sobre o futuro da humanidade imersa em IAs como Grok, é inevitável pensar: até que ponto queremos delegar decisões, inclusive morais e políticas, a sistemas que reproduzem vieses e respondem às vontades de um único bilionário?

Hannah Arendt escreveu sobre a banalidade do mal: ao criar sistemas que reproduzem preconceitos ou narrativas tóxicas, como Grok que chegou a enaltecer Hitler, autodeclarar-se “MechaHitler” e difundir teorias conspiratórias de “genocídio branco”, os desenvolvedores participam de um processo de naturalização do discurso de ódio, sem assumir responsabilidade moral plena.

Da perspectiva de Michel Foucault, poder e saber estão sempre entrelaçados: controlar a gramática das respostas, os “guardrails” e os prompts do Grok é agir sobre o discurso, moldando aquilo que é possível dizer. Quando Musk defende que “IA deve falar livremente, mesmo quando polêmica”, ele reivindica um poder quase absoluto sobre o sensível, mas deixa de questionar quem decide que discursos são legítimos e que impacto produzem.

Esse viés marcante revela uma segunda contradição: se a IA deve ser “máxima buscadora de verdade”, como proclama Musk, mas ao mesmo tempo seu sistema é manipulado por funcionários para censurar mensagens que o próprio criador considera críticas (como dizer que Musk espalha desinformação), então não há verdadeira busca pela verdade, há seleção ideológica.

Eruditos como Stuart Russell e Daniel Kahneman, que discutem riscos extremos da inteligência artificial, defendem que o desenvolvimento acelerado de sistemas autônomos exige governança robusta, avaliação de risco, transparência e fiscalização externa, o que Musk defende a seu modo, mas ainda assim conflita com sua visão de regulações leves estilo “árbitro de futebol”.

Ao refletirmos sobre o futuro da humanidade imersa em IAs como Grok, é inevitável pensar: até que ponto queremos delegar decisões, inclusive morais e políticas, a sistemas que reproduzem vieses e respondem às vontades de um único bilionário? Segundo Yuval Noah Harari, a concentração de poder algorítmico pode gerar uma nova elite cognitiva, minando a igualdade política e amplificando desigualdades já existentes.

Hoje, xAI caminha para levantar cerca de US$ 10–12 bilhões para construir supercomputadores e expandir Grok Globalmente. Essa aceleração provoca outras tensões: crescimento infraestrutural consumindo energia, disputas jurídicas e regimes políticos preocupados com controle de discurso e soberania digital.

Precisamos, como sociedade, perguntar: qual futuro queremos? Onde termina nossa liberdade de expressão e onde começa a regulação necessária? Como disse Habermas, a liberdade é vazia sem o discurso racional e regras compartilhadas; e para Arendt, omissão diante de discursos autoritários, mesmo em código, é cumplicidade moral.

Portanto, em vez de aguardar crashes imprevistos ou escândalos, urge instituir limites: avaliações independentes, fiscalização pública, clareza sobre os dados de treinamento, responsabilidade legal por danos de IA e, sobretudo, debate ético coletivo. Só assim podemos equilibrar o sonho legítimo de uma inteligência artificial livre com o dever civilizatório de proteger o humano.

O futuro, seja com Grok ou qualquer outra IA, não pertence a Elon Musk nem a sua xAI. Ele pertence a nós, se insistirmos em transformar tecnologia em campo aberto do debate público, não palco de propaganda privada.

Escrito com Sara Nadur Ribeiro

Maurício Munhoz Ferraz é assessor do presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso e professor de economia

FONTE: RDNEWS

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