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A cientista política e doutora em Sociologia Christiany Fonseca avalia que a República e a democracia brasileira, ainda que apresentem sinais de fragilidade e vulnerabilidade em razão de sua “juventude” — 136 anos de Proclamação e pouco mais de 40 anos desde a redemocratização —, seguem sustentadas por instituições e estruturas de poder que permanecem de pé, assegurando os interesses republicanos e protegendo a Constituição Federal, lei fundamental e suprema do país, base dos direitos e deveres. A análise foi feita durante entrevista especial ao
“Não dá para pensar em República sem pensar em democracia. Temos 136 anos de Brasil República. Está consolidada? Não. Está em processo de consolidação. Tivemos avanços nesses 136 anos? Sim. São avanços recentes? Sim. Se analisarmos a Constituição, que realmente coloca todos em pé de igualdade no Brasil, veremos que é algo ainda recente. Mas, percebemos que nossas estruturas e instituições ainda conseguem responder, mesmo diante de um país que ainda é frágil quando se trata de resguardar plenamente a sua democracia”, afirma ela, reforçando que ser republicano significa permitir que as instituições atuem de forma efetiva, sem caminhar para a desconstrução.
A República Federativa do Brasil é um modelo presidencialista no qual não há espaço para a monarquia. Sua estrutura é descentralizada, organizada pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e sustentada pelo federalismo. Assim, caminha lado a lado com a democracia, que opera sob uma Constituição que consagra o Estado Democrático de Direito, com eleições livres e respeito aos direitos humanos – veja quadro
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O modelo republicano brasileiro nasce de um golpe militar em 1889, que destituiu o Imperador Dom Pedro II, e desde então é marcado por períodos de instabilidade, como a Era Getúlio Vargas — especialmente o Estado Novo — e a Ditadura Militar
O caso mais recente, onde a estabilidade da República e da Democracia brasileira estiveram em xeque, teve início em outubro de 2022, depois da derrota do então presidente Jair Bolsonaro (PL), culminando no fatídico 8 de Janeiro de 2023, onde manifestantes marcharam e depredaram os Três Poderes, em Brasília, no Distrito Federal. Eles clamavam por intervenção militar e o não reconhecimento do resultado das urnas eletrônicas que elegeram o presidente Lula (PT) – em uma tentativa de ruptura institucional, que incluia dissolução do STF. Mesmo em meio há um cenário de vulnerabilidade encontrado, as instituições, como o próprio Supremo, guardião da Constituição de 1988, conseguiram “equilibrar” os pratos, demonstrando que estamos em processo de consolidação, ao prender e condenar os invasores e responsáveis pela trama golpista, incluindo Bolsonaro.
“Quando eu volto para o 8 de janeiro, por exemplo, eu vejo uma fragilidade, ou seja, um não entendimento ainda por parte das pessoas do que nós estamos vivendo, do que nós construímos. Estamos em construção há mais de 135 anos. Mas, ao mesmo tempo, você tem uma resposta do Estado Republicano. Quando eu falo dos Três Poderes constituídos e consolidados, você teve aí o STF como guardião, fazendo a Constituição valer para que aquilo que aconteceu em 8 de janeiro não descontrolasse a estrutura do Estado e punisse aqueles que atentaram contra o Estado democrático”, argumentou.
Rodinei Crescêncio/Rdnews
Ser defensor da República e da democracia trouxe à Suprema Corte o ônus de se tornar uma “vítima” de ataques decorrentes da polarização política que o país viveu e ainda vive. Nesse contexto, a cientista avalia que, após os ataques aos Três Poderes, o STF apenas cumpriu o que determina a Carta Magna — a Constituição Cidadã, responsável por garantir a estabilidade institucional —, mesmo diante de pressões sociais e políticas inflamadas que buscavam uma ruptura.
Vale ressaltar que parte da população interpreta as medidas punitivas adotadas pelo STF como ações “políticas” de perseguição ou “intervencionismo”, defendendo que não houve crime nem evidência de atentado à democracia.
“Diante da tentativa de um golpe, ao permanecer de pé, estamos dizendo: ‘Ainda estamos em processo de construção, mas conseguimos nos manter’. Vai chegar o momento em que talvez não precisemos de tanta radicalização. É mais fácil para as pessoas acreditar que houve um posicionamento político por parte do STF do que compreender que estamos fazendo o quê? Respeitando a Constituição Brasileira. Imagine se relativizássemos tudo o que está na Constituição ao bel prazer da opinião pública. Teríamos um sério problema. Então, embora ainda tenhamos fragilidades, nossos 136 anos de história foram suficientes, até aqui, para nos manter firmes”, completa.
Público e privilégio
Ainda que sejamos uma República — termo derivado do latim res publica, “coisa pública” —, onde o interesse coletivo deve prevalecer, o Brasil carrega falhas estruturais decorrentes de traços monárquicos ainda enraizados. Aqui, o que é público, ou deveria ser, frequentemente se transforma em espaço de reprodução de privilégios. Segundo Christiany, mesmo após o fim da monarquia em 1889, negros, mulheres e indígenas continuaram sem direitos básicos, incluindo o direito ao voto.
Para ela, esse quadro revela que a população sempre esteve à margem das estruturas de poder e se engaja, na maioria das vezes, apenas em períodos eleitorais. “A sociedade olha para a nossa estrutura de poder com certa distância. A aproximação da população com as instituições só ocorre, normalmente, a cada dois anos, quando vota. Com isso, observamos a configuração de um grupo que continua sendo privilegiado. E o mandato, que deveria ser um dever com a República — ou seja, com a coisa pública —, torna-se um instrumento de privilégio, atrelado a pequenos grupos”, afirma. Ela cita, como exemplo, a força da mobilização popular para barrar medidas que violam princípios democráticos, como ocorreu com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, rejeitada após forte reação da sociedade.
A proposta colocaria parlamentares em uma casta privilegiada, vedando qualquer tipo de investigação ou prisão — mesmo em casos de estupro, tráfico, homicídio e outros crimes — sem autorização prévia dos próprios colegas, transformando-os em “supercidadãos”. A medida afrontaria a Constituição, que assegura que todos são iguais perante a lei. O texto chegou a ser aprovado pela Câmara dos Deputados, mas foi derrotado no Senado, graças ao equilíbrio entre as duas Casas.
FONTE: RDNEWS
