A Lei da Ficha Limpa, implementada em 2010 como um marco no combate à corrupção política no Brasil é um dos raros casos de projetos de iniciativa popular que se transforma em lei. O projeto foi encabeçado por entidades que fazem parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), e mobilizou vários setores da sociedade brasileira, entre categorias profissionais, sindicatos e igrejas. Foram obtidas mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas em apoio. Pois bem, lamentavelmente esta Lei está no centro de um debate sobre possíveis alterações para propositalmente enfraquecer sua eficácia. Lei Complementar nº 135, de 2010, também chamada Lei da Ficha Limpa determina que o político que se torna inelegível fica impedido de se candidatar nas eleições que se realizarem durante o restante do mandato que ocupava e nos oito anos seguintes ao término da legislatura.
Nos últimos dias, a Lei da Ficha Limpa voltou ao centro dos debates por conta de um projeto de lei, de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), que visa reduzir o período de inelegibilidade de políticos condenados, de oito para apenas dois anos. O absurdo reside no fato de que toda movimentação, aplicação de mudanças jurídicas questionáveis seria para beneficiar o ex-presidente Bolsonaro, que seria reabilitado para disputar a eleição de 2026.
“ 2025 começa com tentativas de fragilizar o controle sobre a corrupção e a impunidade com a Lei da Ficha Limpa tornando todo mundo em ficha limpa”
Em entrevista procurador do Ministério Público de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, doutor em direito pela USP, diz que a mudança na Lei da Ficha Limpa seria um escárnio para a sociedade brasileira e nesta iniciativa pode-se encontrar tudo menos a defesa do interesse público. Diz que ‘os políticos estão legislando em causa própria e não observando às necessidades da sociedade’.
A ideia da Lei da Ficha Suja é tirar de circulação, por um período, os maus políticos, já que o período de oito anos corresponde a dois ciclos eleitorais. As leis devem ser elaboradas no interesse da sociedade, não em casuísmos. Ao ser perguntado sobre a lamúria de Bolsonaro de que a Lei da Ficha Limpa só serve para punir a direita, Roberto Livianu desmistificou a choradeira afirmando que ao longo dos anos, políticos de diversas ideologias tiveram seus direitos políticos restringidos com base na aplicação desta lei. Disse que a aplicação da legislação não é exclusiva a um único grupo político. ‘Se for feita uma análise mais aprofundada, fica evidente que esse argumento é completamente insustentável. Dizer que a lei está voltada para a direita, é inconsistente. Essa afirmação tem um caráter ignorante’. Dados da área de estatística do TSE mostra que o percentual de barrados é baixo. No ano de 2024, tivemos 463 mil candidatos no país, dos quais, 1,9 mil foram barrados pela Lei da Ficha Limpa.
O presidente do Instituto Não Aceito Corrupção relembra que a última manobra para sabotar a Lei da Ficha Limpa, foi feita pela Deputada Dani Cunha, filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, numa tentativa de trazer o pai de volta ao cenário político. É bem isso, querem enfraquecer as leis boas para garantir retorno rápido dos violadores da lei, por abuso de poder político ou econômico e uso indevido dos meios de comunicação, que consideram 8 anos de afastamento das eleições, uma eternidade.
O risco de aprovação existe, já que a inelegibilidade atinge políticos de quase todos os partidos e o presidente da Câmara, recém-empossado, deputado Hugo Mota, na primeira entrevista já declarou que acha justo encurtar a pena para 2 anos. 2025 começa com tentativas de fragilizar o controle sobre a corrupção e a impunidade com a Lei da Ficha Limpa tornando todo mundo em ficha limpa.
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com
FONTE: RDNEWS