Rodinei Crescêncio/Rdnews
A faixa de fronteira do Brasil, uma área estratégica de 150 km ao longo de nossas divisas terrestres, é um território de complexidades multifacetadas. Nela, questões jurídicas, sociais, econômicas e de segurança nacional se entrelaçam, criando um cenário de incerteza para milhares de produtores rurais que, de boa-fé, ali se estabeleceram. A ocupação desordenada e a emissão de títulos de propriedade por estados, muitas vezes sem a devida competência, aliadas à falta de padronização nos procedimentos e à morosidade administrativa, freiam o desenvolvimento e alimentam conflitos nessa região.
É nesse contexto que o Projeto de Lei n.º 1.532/2025, aprovado pelo Senado Federal e em trâmite na Câmara dos Deputados, surge como resposta necessária para prorrogar por cinco anos, até 2030, o prazo para ratificação de registros imobiliários de imóveis rurais situados na faixa de fronteira. A medida busca oferecer a tão necessária segurança jurídica aos proprietários, assegurando o direito à propriedade e impulsionando o desenvolvimento regional e a manutenção da soberania nacional.
Essa prorrogação evita que imóveis rurais com mais de 15 módulos fiscais sejam revertidos à União por ausência de ratificação, garantindo a continuidade da posse legítima de milhares de produtores. Além de mitigar o risco de expropriação administrativa sem o devido processo legal, a medida visa corrigir a instabilidade jurídica instalada, agravada pela ausência de uniformização nos procedimentos e pela morosidade administrativa que emperra o processo de ratificação dos títulos.
“Essa prorrogação evita que imóveis rurais com mais de 15 módulos fiscais sejam revertidos à União por ausência de ratificação, garantindo a continuidade da posse legítima de milhares de produtores”
Ana Lacerda
A insegurança quanto à titularidade dos imóveis compromete diretamente o acesso ao crédito rural, condição essencial para a manutenção e expansão das atividades agropecuárias. A prorrogação do prazo permitirá que os produtores mantenham suas propriedades aptas à formalização de financiamentos e parcerias comerciais, assegurando a continuidade de investimentos em infraestrutura, tecnologias de produção e sustentabilidade.
A permanência do produtor rural em áreas de fronteira é fator indissociável da preservação da soberania nacional. A ocupação produtiva ordenada, ao lado de políticas públicas que incentivem a permanência do homem no campo, constitui estratégia fundamental para a integridade territorial e para o desenvolvimento socioeconômico das regiões fronteiriças.
A ausência de critérios uniformes nessa região tem alimentado litígios fundiários, sobrecarregando o Poder Judiciário e gerando um ambiente de incerteza para produtores e investidores. A prorrogação do prazo, ao conferir mais tempo para a regularização documental, reduz a litigiosidade e favorece soluções administrativas mais céleres.
O prazo originalmente estabelecido pela Lei n.º 13.178/2015, findaria em outubro de 2025, mas mostrou-se insuficiente para atender às complexidades do processo de regularização, especialmente diante das disparidades procedimentais entre os estados e das ações judiciais que ainda questionam dispositivos da legislação correlata. A decisão do Senado representa mais do que um alívio temporário, ela denota um resguardo necessário ao direito de propriedade daqueles que, confiantes na legalidade de seus títulos, investiram, produziram e contribuíram para o desenvolvimento das regiões de fronteira.
Mato Grosso, sendo um dos estados com maior extensão de terras em faixa de fronteira e forte protagonismo no cenário do agronegócio brasileiro, é particularmente impactado pela matéria. A atuação firme de seus representantes no Senado revela a consonância entre a pauta da regularização fundiária e a defesa da soberania nacional, haja vista que a ausência de ordenamento nessas áreas não se coaduna com o desenvolvimento de uma política territorial integrada e eficiente.
Contudo, é necessário ponderar que a prorrogação do prazo, embora imprescindível neste momento, não se apresenta como solução definitiva. A estabilidade fundiária e a segurança jurídica almejadas pelos produtores rurais dependem, inexoravelmente, da regulamentação clara e uniforme dos procedimentos de ratificação, de modo a eliminar disparidades estaduais e assegurar celeridade administrativa.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
FONTE: RDNEWS